Certo fidalgo dos tempos antigos mantinha em seu castelo um bobo profissional, cuja obrigação era divertir a todos por meio de pilhérias, macaquices e palhaçadas. Ora, o fidalgo se lembrou de presentear o bobo com um bastão como distintivo de seu oficio, que devia sempre trazer consigo até que porventura aparecesse outro mais apalhaçado que ele próprio, devendo, então, passá-lo ao tal em sinal de ultra primazia na arte de fazer bobices.
Passando alguns anos, o fidalgo adoeceu gravemente, e foi logo desenganado por seu médico assistente. Mondou então chamar o bobo e com ele manteve o seguinte diálogo:
– Então, meu bobo, estou em véspera de uma viagem!
– Comprida ou curta?
– É comprida.
– E quando pretende voltar? Dentro de um mês?
– Não!
– Dentro de um ano, então?
– Não.
– Nem dentro de um ano? Quando então é que volta?
– Não volto nunca mais!
– O quê?! Meu senhor não volta nunca mais?
– É verdade! Não volto nunca mais!
– E que preparativos fez meu senhor para viagem tão longa?
– Nenhum.
– Será possível? Pois meu senhor pretende retirar-se para sempre e nada preparou para viagem tão longa? Olhe! Tome o bastão! É seu desde já! Que eu, sendo bobo de profissão, nunca cairia em tamanha insensatez!
Guia do Viajante.