Romanos 6 e 7

Romanos 6: 1 – 5

 O apóstolo agora contradiz a ideia de que o conhecimento e gozo da soberana graça de Deus possam ser acompanhados pelo desejo de permanecer na prática do pecado. Quem ouve a bendita verdade contida na frase “pela graça sois salvos, por meio da fé” (Ef 2: 8) pode imaginar que tal ensino possa tornar o crente descuidado da vida cristã e que essa atitude produzirá maus resultados. Quão diferente, porém, é o pensamento de Deus manifestado nesses versículos!

Se, tendo crido em Cristo, estamos hoje identificados com Ele, numa vida nova, isso é um resultado de termos sido identificados com Ele em Sua morte. Aos olhos de Deus foi posto termo, pela morte de Cristo, a tudo quanto éramos como filhos de Adão, isto é, à nossa antiga condição de raça condenada de Adão, e é sobre esse terreno que entramos no gozo de nossa vida em Cristo.

Claro está, portanto, que, se reconhecermos que por meio da morte de Cristo estamos mortos para o pecado, não podemos mais pensar em viver nele. Tal proceder seria negar o que professamos.

O apóstolo em seguida confirma esse pensamento, chamando a nossa atenção para o significado de nosso batismo. Se fomos batizados em nome do Senhor Jesus, somos por esse meio identificados quanto à nossa posição neste mundo, com a morte de Cristo – batizados em Sua morte.

“Não sabeis [isso]?”, pergunta o apóstolo. Convém perguntarmos a nós mesmos se cremos nessa verdade e se temos correspondido a ela na vida prática. Foi pela morte de Cristo e pela nossa morte nEle que alcançamos a vida. Não podemos continuar a viver aquela vida que foi condenada na cruz de Cristo. A fé reconhece que a vida antiga acabou judicialmente na morte de Cristo. Agora, identificados com o Cristo ressurreto, devemos andar em novidade de vida.

 Romanos 6: 6 – 8

 O versículo 6 começa com as palavras “sabendo isto...”. Temos dado valor ao que se segue a essas palavras? Podemos dizer que “sabemos”? E qual é a verdade indicada? Leiamos: “O nosso velho homem foi com ele crucificado”.

A expressão “o nosso velho homem” descrever a nossa condição como identificados com o primeiro Adão e condenados por causa do pecado. A morte de Jesus, todavia, pôs fim a essa condição. O pecado não exerce mais domínio sobre nosso corpo, não o servimos mais.

Se considerarmos o verdadeiro caráter do “nosso velho homem” o oposto de que Deus é, e por isso odioso a Ele, veremos com grande alivio a maneira em que Ele o julgou na morte de Cristo.

O que vemos nesses versículos não é “o nosso velho homem” remendado ou melhorado, e sim que para Deus ele acabou na cruz, dando lugar ao que é novo em Cristo.

A tônica do capítulo 6 de Romanos é a revelação do privilégio que tem o crente de se identificar, em sua fé e em seus pensamentos, com Cristo. Se aceitamos a realidade de nossa identificação com Cristo em Sua morte, podemos regozijar nos pela nossa identificação com Ele – vivemos nEle diante de Deus e andamos na certeza de que estaremos, mais tarde, identificados com Ele na glória da ressureição.

 Romanos 6: 9 – 13

 Não podemos aprender as verdades que estamos considerando, sem analisar a condição e a posição atuais de Cristo, porque “está a verdade em Jesus” (Ef 4: 21). Nele vemos a verdade exemplificada. O que Deus, por seu amor, propõe para nós, vemos realizado em Cristo, na Sua condição de Homem na glória celeste.

Os versículos 9 e 6 começam com a palavra “sabendo”. Claro que as verdades declaradas pelo apóstolo devem ser conhecidas por todos nós, os salvos. Atentemos, portanto, para elas.

De que falam então estes versículos? Do triunfo de Cristo! A morte não mais tem domínio sobre Ele! Mais adiante lemos: “Quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado; mas, quanto a viver, vive para Deus”.

Nosso bendito Senhor Jesus foi feito pecado por nós saber a cruz do Calvário (veja II Co 5: 21). Ali Ele morreu e saiu da condição e da posição em que, por amor de nós. Se achou identificado com o pecado. De uma vez por todas, morreu para o pecado, para nunca mais tornar a tocar nele. E agora? Agora Ele vive como Homem glorioso no céu, e vive para Deus. Deus tem nEle perfeito agrado. Assim, vemos manifestado nEle o propósito de Deus a nosso respeito.

Nosso coração se comove de amor e de santo e ardente desejo quando meditamos nas expressões: “mortos para o pecado” e “vivos para Deus”.

Conhecendo o amor de Deus, anelamos por corresponder à Sua vontade a nosso respeito. Queremos que Ele se agrade de nossa vida aqui e desejamos sempre fazer aquilo que O agrade. Constrangidos por tais desejos, reconhecendo que muitas vezes falhamos nisso, mas é uma verdadeira alegria para nós ver que há pelo menos Um, Jesus Cristo, que, vivendo na glória celeste, corresponde em tudo à vontade divina.

O coração do crente sente-se ainda mais atraído por Cristo e nos ensina a achar prazer naquEle em Quem Deus Se deleita, fazendo crescer em nós o desejo de correspondermos aqui ao que Ele é ali!

Mas será isso possível? Leiamos com atenção o versículo seguinte: “Assim também vós, considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Temos o privilégio não se de contemplar a Cristo na glória celeste, mas também de saber que estamos identificados com Ele.

Morreu Ele para o pecado! Sim, por isso temos o privilégio de nos considerarmos mortos com Ele. Vive Ele para Deus? Certamente, por isso somos vivos para Deus nEle. Para o pecado, somos mortos; para Deus, somos vivos em Cristo.

Não é que o pecado esteja morto, mas temos de considerar que pela morte de Jesus morremos para o pecado. Por isso recusemos continuar a ser dominados por ele. Se nos tentar, se quiser andar em nossa companhia, viremos lhes as costas. Afinal, já morremos para ele.

Todavia, reconhecemos que doravante estamos no mundo para fazer a vontade de Deus, e enquanto esperamos o dia em que havemos de ter um corpo glorioso, temos de reconhecer que o nosso corpo mortal deve ser apresentado a Deus a fim de que nele se realize a Sua vontade neste mundo.

Lemos: “Apresentai vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça”. Bendito privilégio esse! Contudo, só na condição de libertos da condenação e do domínio do pecado, como vivos em Cristo, vivos dentre os mortos, é que podemos nos apresentar a Deus. E, diante desse privilégio, não deixemos de o experimentar para a nossa alegria e para a glória de Deus.

 Romanos 6: 14 – 23

 O privilégio de não sermos mais dominados pelo pecado é nos assegurado pela graça divina. Não é a lei, e sim o conhecimento da graça de Deus que nos liberta e nos mantém livres. Já não estamos debaixo da lei, porque a graça de Deus nos fez ocupar um novo lugar: o de identificados com Cristo em ressureição, onde a lei não domina.

“O pecado não terá domínio sobre vós”: bendita nova! Essa liberdade, contudo, não dá ocasião a andarmos no pecado, porque, é claro, fomos libertos do domínio do pecado e não haveremos de continuar a servir lo. Somos servos da justiça, ou seja, mudamos de Senhor.

A liberdade cristã não nos permite andar no pecado nem nos dá licença para pecar. Pelo contrário, é uma liberdade que devemos usar para servir a Deus.

O serviço prestado sob o domínio do pecado não resultou em benefício algum, e no fim havia a morte. Agora, libertos do pecado, temos prazer em servir a justiça, e isso resulta em santificação no presente, e no fim haverá a vida eterna – desfrutada não como resultado de nossas obras, e sim da operação da graça divina como dom gratuito de Deus.

 Romanos 7: 1 – 6

 Tendo o apóstolo considerado e demonstrado a maneira pela qual estamos justificados diante de Deus, temos vida no Cristo ressuscitado e fomos libertos do domínio do pecado na vida prática, passa agora a mostrar o efeito de tudo isso na questão da autoridade e domínio da lei. Numa palavra, podemos dizer que, por meio da morte de Cristo e da nossa associação com Ele na ressureição, estamos fora do alcance do domínio da lei.

 Para simplificar, o apóstolo faz uma comparação fácil de compreender. Cita o caso da mulher e o marido. Enquanto o marido viver, a mulher está ligada a ele pela lei, porém morrendo o marido fica ela livre da lei do marido. Não podem dois maridos ter domínio sobre ela ao mesmo tempo, mas se o marido morrer está livre para ser de outro.

 A lição que tiramos dessa comparação é que a lei tem domínio sobre a pessoa enquanto esta viver, mas sobrevindo a morte ficará fora de seu alcance. A pessoa também não pode, ao mesmo tempo, estar sob o domínio da lei e também de Cristo: tem de ser de um ou de outro.

 Qual é, pois, a nossa situação como cristãos? Estávamos outrora “na carne”, quando nos identificávamos com o pecado e a ruína. Sobreveio, porém, a morte – a morte de Cristo -, e por meio dessa morte, com a qual nos identificamos, não existe mais, aos olhos de Deus, a nossa identificação, com Adão. Somos agora identificados com Cristo.

 Servindo nos ainda da comparação acima, podemos dizer que a nossa conexão com o primeiro marido – a lei – acabou. Não que ela tenha morrido, a lei subsiste, mas nós, os que temos parte na morte de Cristo, deixamos aquele estado em que a lei podia ter domínio sobre nós. Não estamos mais “na carne”. Assim, lemos: “Meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo”.

 Todavia, se não estamos mais sob o domínio da lei, estamos sob o domínio de Cristo. O primeiro marido disse nos que devíamos fazer sem contudo nos habilitar ou dar forças para isso. Nada produzíamos nesse tempo senão pecado – o “fruto para a morte” (Rm 7:5). Mas agora, em nossa nova condição e no novo parentesco que temos com o Cristo ressurreto, sob Seu domínio podemos produzir fruto para Deus.

 Qual é, pois, o pensamento de Deus a nosso respeito em tudo isso? É que, desfrutando a liberdade em Cristo e estando identificados com Ele e sob Seu domínio, iremos servi-Lo “em novidade de espírito, e não na velhice da letra” (V. 6). Isto é, o nosso serviço prestado a Deus não mais será o resultado de estarmos constrangidos com ameaças da lei, e sim de estarmos associados em santa e alegra liberdade com o Cristo ressuscitado.

Romanos 7: 7 – 15

 Tendo esclarecido a condição cristã com respeito ao domínio da lei, o apóstolo considera algumas dificuldades que se podem formar na mente de qualquer pessoa, por exemplo, se o crente é pela morte de Cristo libertado do domínio do pecado, como já sabemos, isso quer dizer que a lei é pecado, uma coisa má? De maneira alguma. Foi na verdade por meio da lei que percebemos o caráter pecaminoso de nossa natureza. Ela me mostrou que não somente os meus atos, mas também os meus desejos eram pecado.

Quando não sentíamos a força da lei, a existência do pecado em minha natureza passava despercebida: “Sem a lei, estava morto o pecado” (v.8). Contudo, desde que entendemos que a lei condena e proíbe até o desejo de praticar o pecado, descobrimos que temos uma natureza que ama o pecado. Foi a proibição do desejo que manifestou a existência dessa natureza.

 O pecado, tido aqui como um inimigo que ataca o crente, servindo-se da proibição da lei, despertava a vontade própria de nossa natureza pecaminosa e assim nos impunha a condenação da lei, debaixo da morte.

 “Eu, em algum tempo, vivia sem lei” (v. 9). Em relação à consciência, imaginávamos ter direito à vida, não sentindo a natureza pecaminosa sob a condenação da morte. Porém, “vindo o mandamento, reviveu o pecado, e eu morri”. O conhecimento da lei nos fez sentir a força e a existência do pecado em nós, e fomos condenados pela consciência. Estremecemos debaixo da condenação da lei, ao perceber que pesava sobre nós uma sentença da morte.

 Dessa maneira, como lemos no versículo 10, a lei, que em si é boa e justa e que era para a vida, tornou-se para nós, por causa da presença do pecado em mim, em lei para a morte.

 A lei dizia: “O homem que fizer estas coisas viverá por elas” (Rm 10:5). Ela foi dada para a vida, porém logo percebemos que não podíamos satisfazer as suas exigências. Cumpri-la, para assim alcançar a vida, era impossível. Descobrimos a presença do pecado em nós, e assim a lei servia apenas para nos condenar. Nosso caso era “para a morte”.

 Claramente, a lei é santa, justa e boa, visto que condena o pecado, quer no desejo, quer no ato de o praticar. Contudo, tendo sido a vontade de nossa natureza despertada em oposição ao mandamento, sentimo-nos debaixo de sua justa condenação. Quanto à consciência, podíamos dizer: “O pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou e, por ele, me matou” (v.11).

 Ora tudo isso cria outra dificuldade. Porventura seria essa lei tão boa e santa a causadora da nossa morte? De modo algum! A causa não é a lei, mas o pecado. Tal é o caráter pecaminoso de nossa natureza que a lei, perfeita como é em si, não podia fazer outra coisa senão nos condenar. A lei é espiritual, porém o mal está em nós: “Sou carnal, vendido sob o pecado” (v.14).  Por causa da lei, descobrimos em nós uma natureza que se revolta contra ela e que ama o pecado. Pior ainda, quando desejo fazer o bem, não o posso fazer, e aquilo que faço não o aprovo.

 Romanos 7: 16 – 26

 “Se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa” (v.16). Eis um ponto importante em nossa mente, ficamos do lado da lei, condenando as nossas ações, mas não só isso. Reconhecemos também que esses atos condenáveis, que praticamos procedem não de nós mesmos, mas do pecado que habita em nós (v.17).

 Isso nos da uma boa ideia do que seja a “carne”, aquilo que somos por natureza. Uma coisa é reconhecer que temos feito mal, outra é saber que não posso fazer o bem, “que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (v.18).

 É custoso reconhecer esse fato, contudo só assim é possível distinguir entre o que somos como nascidos de Deus e o pecado que habita em nós. Não podemos, em tais circunstâncias, deixar de dizer: “Faço o que não quero”, porém analisando tudo isso, vemos, com efeito, que “já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim”.

Reconheço que há em mim alguma coisa que é de Deus, que amam e aprova a Sua lei, e agora me identifico com isso, com o “homem interior”. Contudo, acho - me sem a capacidade de pôr em prática o bem que desejo e ainda percebo presente em mim o pecado, que me estorva sempre. O meu grande desejo é viver para Deus, ser alguma coisa para Ele. Todavia, vejo que, de um lado, estou absolutamente sem poder e, de outro, pela operação do pecado em mim, estou sob a sentença de morte.

 O novo eu anela por estar livre para servir a Deus, mas não consigo me livrar do velho eu, que está ligado ao pecado e, portanto, sentenciado à morte. “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (v. 24).

 Absolutamente incapaz de libertar a mim mesmo, olho o meu redor e clamo: “Quem, quem me livrará?”. E quem pode fazê-lo senão Deus? Sim, agora vejo que Deus já efetuou a minha salvação e entendo, por fim, a verdade a respeito da morte e ressureição de Cristo e de minha identificação com Ele. “Dou graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor” (v.25).

 Observe que a experiência descrita no fim do capítulo não é propriamente “experiência cristã”, embora seja a experiência de muitos cristãos. É a experiência de quem é nascido de novo e que por isso tem novos desejos e sentimentos, mas não tem pleno conhecimento da verdade do evangelho, nem do dom do Espírito Santo. Enfim, trata se de alguém que, quanto à consciência, tem ainda diante de Deus a responsabilidade de um homem na carne e por isso se acha debaixo do domínio da lei.

 De modo algum Paulo está aqui descrevendo a sua experiência como cristão, isto é, a sua experiência na ocasião de escrever a epístola. Ele fala como quem acabou de sair do pântano e pisou em terra firme e agora descreve a agonia espiritual de quem ainda lá se encontra.

 “Para mim o viver é Cristo” (Fp 1:21). Essa é a linguagem da verdadeira experiência cristã, como também a declaração: “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Fp 4: 13).

 

Continua